Seria possível um diálogo entre o Direito e a arte? Teria o discurso poético – no sentido lato de artístico – capacidade para contribuir com a interpretação e a construção do Direito?
Se na Ciência Jurídica ainda há dúvidas quanto à contribuição do discurso artístico, outros ramos do conhecimento, por exemplo, a ciência política já reconhece a importância da linguagem poética e seus efeitos no espaço político.
Hannah Arendt defendia a importância da arte para a política. Afirmou que, "a iniciativa intelectual, espiritual e artística é tão perigosa para o totalitarismo como a iniciativa de banditismo da ralé, e ambos são mais perigosos que a simples oposição política." (ARENDT, 1979, p. 71, destaque nosso).
Constata-se que a linguagem das artes é tomada como um dos instrumentos mais eficientes de oposição política.
Na ciência política, Arendt e Popper recebiam com cautela o sistema filosófico de Platão justamente por ele relegar a arte a um plano inferior. Afirmou o filósofo grego: “sendo, pois, uma união entre elementos inferiores, a arte imitativa só poderá ter frutos bastardos e vis.” (PLATÃO, 1996, p. 224).
Entretanto, segundo Hannah Arendt (1987a, p. 180), Platão era um grande poeta sob o disfarce de filósofo. Com efeito, Platão ao constatar que seu sistema filosófico estava ameaçado por alguma inconsistência interna, - v.g., como o homem tomaria ciência das formas, - recorre a um estratagema poético, ou seja, utiliza-se do artifício de uma historieta, um mito para justificar suas teorias e completar a configuração final de seu quadro filosófico. Platão, que tanto desprezava o discurso poético, não raro recorria a ele para dar fechamento ao seu pensamento.
No entanto, Arendt percebe no discurso platônico a pretensão de açambarcar a realidade numa visão única de verdade e, a toda prova, o filósofo tenta fechar seu sistema com a extirpação de qualquer abertura para o diálogo à multiplicidade de opiniões:
Platão, que na República queria não só proibir aos poetas o seu ofício, mas também o riso aos cidadãos, pelo menos da classe dos guardiões, temia mais as zombarias de seus concidadãos do que a hostilidade das opiniões contra a exigência do caráter absoluto da verdade. [...]. Em todo caso, ele [Platão] sabia que o pensar, quando quer negociar seu pensamento, é incapaz de se defender contra o riso dos outros; e este pode ter sido um motivo para partir para a Sicília, por três vezes, em idade já avançada, a fim de ajudar o tirano de Siracusa a tomar o bom caminho, ensinando-lhe as matemáticas, que lhe pareciam uma introdução indispensável à filosofia.” (ARENDT, 1987a, p. 229).
O que Arendt sugere é que Platão não defendia, de fato, o modelo absoluto da verdade contrariamente à poesia, mas, em última instância, ele queria, reflexamente, impedir o livre pensar. Nas palavras da autora:
Heidegger, [...], retorquiu afirmando que a filosofia e a poesia estavam na verdade intimamente associadas; não eram idênticas mas brotavam da mesma fonte – que é o pensar. E Aristóteles, que até agora ninguém acusou de escrever <> poesia, era da mesma opinião: a poesia e a filosofia de certa maneira pertencem uma à outra. (ARENDT, 2008, p. 18)
Diante do exposto, fica a hipótese e, ainda, o desafio: Em que medida a arte pode influenciar e contribuir para o Direito?
Referência bibliográfica:
ARENDT, Hannah. A vida do espírito I: Pensar. Tradução: João C. S. Duarte. Lisboa: Instituto Piaget, 2008.
ARENDT, Hannah. As Origens do totalitarismo III: Totalitarismo, o paroxismo do poder. Tradução Roberto Raposo, Introdução: Marcos Margulies. Rio de Janeiro: Editora Documentário, 1979.
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987a.
PLATÃO. Diálogos III: A República. Tradução de Leonel Vallandro. 23ª edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.